Golpe
O alarme de um carro, o horizonte distraído, a máquina que não para mais para fumar. Já não falo com mais ninguém sem um leão de chácara.
É meio-dia, mas a luz é turva. O sol e a sombra se tornam esquálidos e rarefeitos na temporada do Capital. O siroco galáctico se abateu sobre nós, com suas indumentárias de caixinhas pretas que levamos no bolso e que nos conectam às nuvens onde nunca podemos ir vestidos de estômago, de virilha ou de rego.
Também ele, o Capital, forasteiro vindo da intimidade, está às voltas com os regimes vigentes.
Quais são os regimes da cosmopolítica? A democracia, imanência horizontalóide generalizada, deixa que os 80% dos votos algerianos em 26 de dezembro de 1991 decidam pela sharia. Nâo há militares guardiões de uma ordem que preexiste todo burburinho social. Não há a farda das identidades e nem a metralhadora do excesso. A metralhadora do excesso coloca todos os governos a serviço de uma sobra infernal, une Bataille d´Alger permanente, com o inimigo assolando e assediando. Assediando tudo com algo a mais, com um bônus que não pode ser ignorado. O excesso, maldito, que cobre as coisas poderosas e as pretensões abatidas de um espasmo extra a ser administrado. Na democracia cosmopolítica, também os militares e a metralhadora do excesso se curvam aos 80% dos votos. A lei do mais forte também se submete ao mais forte. Não há mesmo nenhuma lei que não possa ser constituída, reconstituída, recauchutada, remanejada, realocada. Mesmo aquela que freqüenta os silogismos, os homens são mortais, também pode ser realocada pelas nuvens das máquinas, remanejada para um futuro 2.0 a ser lançado pela Apple, recauchutada pela transformação do hormônio de Tanatos em chips de baixa manutenção , reconstituída em uma decisão da indústria pela absoluscência programada, tornada em doença primitiva curada pelo desenvolvimento macrobiológico. Na democracia cosmopolítica, também o excesso pode virar falta se 80% dos votos forem computados em favor da sharia.
Na democracia cosmopolítica nem sequer a soberania humana é autoridade mantida por si mesma. A estabilidade imanente é apenas uma ilusão da manutenção permanente que é velada – dizer que uma autoridade se mantém por si mesma numa democracia cosmopolítica é como dizer que os pratos sujos largados na pia se lavam por si mesmos. A soberania humana é cosmopoliticamente tão histórica quanto a gordura grudada na colher e o carro de boi. A soberania é uma pequena porção de terra entre o país do aleatório e o oceano da inteligência. A autoridade de Deus está à deriva de sua sabedoria: se é sumamente sábio, que liberdade pode ter? A inteligência dos fatos sangra a autonomia. Leibniz mantinha seu Deus todo sábio e todo livre se apoiando em princípios lógicos transcendentes que faziam com que infinitos mundos possíveis –federações de fatos – fossem igualmente possíveis. A soberania de Deus ela mesma depende de uma configuração cosmopolítica. Um Deus que é uma exceção à cosmopolítica apenas joga dados.
O funcionamento da democracia cosmopolítica tem sido explorado pelas filosofias da imanência. Numa democracia cósmica, as identidades estão para jogo, as estabilidades precisam de manutenção, os indivíduos são reféns de processos de individuação que por vezes são temerários e sempre são temporários. Os humanos, enquanto depositários de soberania na presente antropocracia, não estão garantidos em sua continuidade por nenhuma rocha dura solene a prova de variabilidade ecológica ou de reordenamento das inteligências. E o momento presente é o de erosão dos equilíbrios duradouros associado a uma crescente computabilidade das inteligências movida por uma artificialização compulsiva. Assim talvez não sobre humanidade que possa ser soberana. As filosofias cosmo-democratas da imanência se dedicam a um trabalho de destituição de autoridades – nem Deus nem patrão ainda que possa haver todo-poderosos eleitos e sustentados, donos dos campinhos chancelados pela constituinte permanente. Imanente é o capitalismo frente aos senhores feudais que invocavam direitos advindos de alhures: ao mundo todos chegam iguais, mas alguns enriquecem neste mundo. A acumulação primitiva de capital não está baseada na natureza das coisas – ainda que se baseie na escolha de um Deus calvinista, mas neste caso Deus teria jogado dados. A acumulação primitiva de capital é baseada em uma imanência de forças, alianças e oportunidades, com a violência das decisões forjadas nos coação. Nada transcendente para o capital na democracia cosmopolítica já que tudo é decidido pelas oportunidades das alianças fortes.
Além das democracias, há outros regimes cosmopolíticos: a monarquia, a oligarquia, a anarquia. Nestes outros regimes, há transcendências – e quais?
O alarme de um carro, o horizonte distraído, a máquina que não para mais para fumar. Já não falo com mais ninguém sem um leão de chácara.
É meio-dia, mas a luz é turva. O sol e a sombra se tornam esquálidos e rarefeitos na temporada do Capital. O siroco galáctico se abateu sobre nós, com suas indumentárias de caixinhas pretas que levamos no bolso e que nos conectam às nuvens onde nunca podemos ir vestidos de estômago, de virilha ou de rego.
Também ele, o Capital, forasteiro vindo da intimidade, está às voltas com os regimes vigentes.
Quais são os regimes da cosmopolítica? A democracia, imanência horizontalóide generalizada, deixa que os 80% dos votos algerianos em 26 de dezembro de 1991 decidam pela sharia. Nâo há militares guardiões de uma ordem que preexiste todo burburinho social. Não há a farda das identidades e nem a metralhadora do excesso. A metralhadora do excesso coloca todos os governos a serviço de uma sobra infernal, une Bataille d´Alger permanente, com o inimigo assolando e assediando. Assediando tudo com algo a mais, com um bônus que não pode ser ignorado. O excesso, maldito, que cobre as coisas poderosas e as pretensões abatidas de um espasmo extra a ser administrado. Na democracia cosmopolítica, também os militares e a metralhadora do excesso se curvam aos 80% dos votos. A lei do mais forte também se submete ao mais forte. Não há mesmo nenhuma lei que não possa ser constituída, reconstituída, recauchutada, remanejada, realocada. Mesmo aquela que freqüenta os silogismos, os homens são mortais, também pode ser realocada pelas nuvens das máquinas, remanejada para um futuro 2.0 a ser lançado pela Apple, recauchutada pela transformação do hormônio de Tanatos em chips de baixa manutenção , reconstituída em uma decisão da indústria pela absoluscência programada, tornada em doença primitiva curada pelo desenvolvimento macrobiológico. Na democracia cosmopolítica, também o excesso pode virar falta se 80% dos votos forem computados em favor da sharia.
Na democracia cosmopolítica nem sequer a soberania humana é autoridade mantida por si mesma. A estabilidade imanente é apenas uma ilusão da manutenção permanente que é velada – dizer que uma autoridade se mantém por si mesma numa democracia cosmopolítica é como dizer que os pratos sujos largados na pia se lavam por si mesmos. A soberania humana é cosmopoliticamente tão histórica quanto a gordura grudada na colher e o carro de boi. A soberania é uma pequena porção de terra entre o país do aleatório e o oceano da inteligência. A autoridade de Deus está à deriva de sua sabedoria: se é sumamente sábio, que liberdade pode ter? A inteligência dos fatos sangra a autonomia. Leibniz mantinha seu Deus todo sábio e todo livre se apoiando em princípios lógicos transcendentes que faziam com que infinitos mundos possíveis –federações de fatos – fossem igualmente possíveis. A soberania de Deus ela mesma depende de uma configuração cosmopolítica. Um Deus que é uma exceção à cosmopolítica apenas joga dados.
O funcionamento da democracia cosmopolítica tem sido explorado pelas filosofias da imanência. Numa democracia cósmica, as identidades estão para jogo, as estabilidades precisam de manutenção, os indivíduos são reféns de processos de individuação que por vezes são temerários e sempre são temporários. Os humanos, enquanto depositários de soberania na presente antropocracia, não estão garantidos em sua continuidade por nenhuma rocha dura solene a prova de variabilidade ecológica ou de reordenamento das inteligências. E o momento presente é o de erosão dos equilíbrios duradouros associado a uma crescente computabilidade das inteligências movida por uma artificialização compulsiva. Assim talvez não sobre humanidade que possa ser soberana. As filosofias cosmo-democratas da imanência se dedicam a um trabalho de destituição de autoridades – nem Deus nem patrão ainda que possa haver todo-poderosos eleitos e sustentados, donos dos campinhos chancelados pela constituinte permanente. Imanente é o capitalismo frente aos senhores feudais que invocavam direitos advindos de alhures: ao mundo todos chegam iguais, mas alguns enriquecem neste mundo. A acumulação primitiva de capital não está baseada na natureza das coisas – ainda que se baseie na escolha de um Deus calvinista, mas neste caso Deus teria jogado dados. A acumulação primitiva de capital é baseada em uma imanência de forças, alianças e oportunidades, com a violência das decisões forjadas nos coação. Nada transcendente para o capital na democracia cosmopolítica já que tudo é decidido pelas oportunidades das alianças fortes.
Além das democracias, há outros regimes cosmopolíticos: a monarquia, a oligarquia, a anarquia. Nestes outros regimes, há transcendências – e quais?
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