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Hoje no Formas da Razão


Totalidade, galáxias e metafísica paradoxal

1. Episódios de medida são ocasiões em que a espontaneidade (de quem mede) e a receptividade (do que fica medido) podem aparecer em fricção. Meço a parede em metros e ela tem exatamente 4 jardas; trata-se de uma parede de 4 jardas apenas se a meço em jardas. Além disso, quando posiciono minha fita métrica nas duas pontas da parede para medir, dependo de se o material da fita é elástico – dependendo do material posso obter o resultado de 10cm. Um instrumento de medida deve ser feito do material apropriado (e Ludwig Wittgenstein, seguindo os passos de Alfred Whitehead em The Concept of Nature, se pergunta em Remarks on the Foundations of Mathematics se não é apropriado a um vendedor de tecido a metro usar um medidor de elástico). O material da medição tem um impacto no resultado. Também as suposições associadas a uma geometria métrica alteram as medições – por exemplo, se endossamos ou não as suposições de uma geometria euclidiana. Henri Poincaré defendia a ideia de que nenhum elemento da natureza pode nos auxiliar na escolha de geometrias, trata-se de uma escolha puramente convencional. É apenas a nossa conveniência que determina que geometria escolher – um pouco como parece que é a conveniência mútua do vendedor e do comprador de tecido a metro que determina o material da fita métrica. Ao defender uma posição assim, Poincaré parece estar seguro de que há uma distinção marcada entre a natureza medida e o procedimento que mede – entre aquilo que precede qualquer convenção e aquilo que só pode ter lugar depois de uma convenção. A nossa experiência que mede aparece assim como separada daquilo que ela quer medir por uma convenção.

A discussão que se seguiu das afirmações de Poincaré acerca da convenção envolveu aqueles que, como Bertrand Russell, insistiam que a natureza haveria que determinar que a Terra é maior do que uma bola de bilhar. Deveria haver algum fato natural independente de nossas convenções – e de nossa experiência em geral – que decidisse que geometria é a mais apropriada. Willard van Orman Quine era partidário desta opinião e entendia que todas as empreitadas do pensamento estavam sujeitas a veredicto, vindo de alguma parte, do tribunal da experiência que de alguma forma colocava em contato um conjunto de afirmações e um julgamento da natureza. Ao mesmo tempo, Quine insistia que fatos e convenções não estavam separadas mas entrelaçadas como se entrelaçam as teorias empíricas na linguagem. Nem há convenções puras imunes da voz da natureza por meio do tribunal da experiência e nem há veredicto de um tal tribunal que não dependa de outras convenções. O entrelaçamento entre fatos e convenções implica que, na imagem de Quine em “Carnap and logical truth”, nem haja fios no tecido que sejam puramente brancos de convenção e nem pretos de fato. De acordo com uma posição assim, a geometria – como qualquer esforço matemático – responde à experiência; há alguma fato natural que poderia determinar, por exemplo, que a geometria de Riemann é a mais apropriada (já que há evidência em favor da física de Einstein que faz uso dela). Os veredictos, no entanto, dizem respeito não apenas à geometria de Riemann, mas a toda a teoria de Einstein. Assim, as matemáticas – e talvez a lógica – podem então ser objetos de veredictos da natureza se bem que estes veredictos não são isolados, eles julgam uma massa crítica de enunciados. Há então um realismo em matemáticas que não aponta para uma âmbito inteligível, mas que entende que os enunciados matemáticos respondem à realidade do mesmo modo que qualquer outro enunciado.

Gostaria de considerar a resposta ao problema da medida de Poincaré oferecida não por Quine, mas por seu orientador, Alfred Whitehead. Trata-se, talvez, de uma dissolução do problema: se abandonamos a bifurcação entre nossa percepção da natureza – e as teorias que dela surgem – de um lado e a natureza alheia à qualquer percepção dela de outro. A imagem da bifurcação é a imagem de um âmbito de uma percepção sem realidade separada de um outro em que há uma realidade fora do alcance de qualquer percepção – um sonho de um lado e uma quimera de outro. Uma vez descartada esta bifurcação, Whitehead entende que a experiência da natureza não se distingue da natureza ela mesma e, assim, há na natureza uma indicação de que sistema de medição – de que geometria métrica, de que instrumento de medição, de que unidades de medição – é apropriado em cada caso. Há uma indicação na natureza porque há uma indicação na experiência – e de fato o consenso sobre a medida em cada caso é maior do que o dissenso sobre como medir em qualquer caso. A experiência, segundo Whitehead, não para em lugar nenhum antes dos fatos naturais – ou, dito de outro modo, os fatos naturais não são feitos de outra coisa senão do que é feita a experiência. Aquilo que há para conhecer não é substancialmente diferente daquilo que usamos e consideramos em nossos esforços por conhecer. De fato, nossos esforços por conhecer são acontecimentos no mundo do mesmo modo que aquilo que tentamos conhecer – Whitehead substitui uma ontologia de substâncias e predicados por uma ontologia de acontecimentos que se conectam entre si uma vez que eles se medem mutuamente em termos de duração e de posição. A medição da duração e da posição, entretanto, não é feita senão a partir de um ponto de referência; não pode ser feito a partir de um espaço e de um tempo para além da experiência da medição. Não há uma posição ou uma duração absoluta independente de qualquer acontecimento – são os acontecimentos que tem posições e durações.

Diante da diversidade de sistemas de medida, Whitehead recomenda que escutemos as indicações localizadas da experiência. Estas indicações são relativas a um ponto de referência, que ele chama de locus standi. Não há sentido em decidir sobre medidas desde parte alguma, a medida (da duração, da posição) é relativa a a um ponto, ao ponto onde a percepção tem lugar. E é sobre este locus standi que temos indicações naturais que estão longe de serem convenções, são antes exercícios de uma receptividade situada. Não há uma bifurcação entre o convencionado e o anterior a qualquer convenção já que não há uma natureza feita de alguma coisa alheia à experiência – de alguma coisa que não seja acontecimento. É a partir de um locus standi que se decide acerca de sistemas de medida, não em apelo a alguma visão de parte alguma. A Terra é maior que uma bola de bilhar para nós, Russell está certo; mas não há nenhum fato natural independente de nós que assim o determine, Poincaré está certo. Disse que se tratava talvez de uma dissolução do problema – não precisamos mais decidir se a medida está antes ou depois da convenção. Porém a decisão por um sistema de medida é uma decisão situada, atrelada a uma circunstância – e nem por isso deixa de ser balizada por indicadores naturais. Diante da diversidade de alternativas de medida, Whitehead favorece uma decisão localizada e natural a partir de uma imagem de natureza em que a percepção não é alienígena. Uma consequência da abordagem de Whitehead é que a natureza não mais aparece como uma totalidade neutra, absoluta e coerente, mas antes aparece como tendo loci standi imprescindíveis para qualquer medição, feita do que é feita a percepção dela e repleta de inconsistências (como diz Whitehead em Modes of Thought, ch. 3). É precisamente uma totalidade que pode ser contemplada de parte alguma que Whitehead procura exorcizar. E parte deste exorcismo é o vínculo de qualquer medição com um locus standi.

2. A diversidade de lógicas pode ser entendida como uma diversidade de medidas de inteligibilidade – para seguir em um jargão de Whitehead, como uma variedade de medição dos nexos. Trata-se de uma diversidade enorme se considerarmos que uma lógica é uma relação de consequência sobre um conjunto de proposições e esta diversidade tem consequências por toda parte. É uma lógica que determina quais mundos são possíveis – e quais são impossíveis, na linguagem de David Lewis. Com isso, toda a inteligibilidade modal é relativa a uma lógica se o possível, o necessário (como o contingente e o impossível) são entendidos em termos de mundos possíveis. Em nosso trabalho sobre galáxias, chamamos de galáxias de mundos o conjunto de mundos possíveis associado a uma lógica. Quando fazemos asserções acerca do contingente e do necessário estamos na maior parte dos casos fazendo julgamentos intra-galácticos. O pluralismo lógico implica assim um pluralismo modal – o que é necessário em uma galáxia é contingente em outra. Para evitar esta conclusão, seria preciso rejeitar que categorias modais possam ser entendidas em termos de mundos possíveis – associando talvez estas categorias diretamente a nossa experiência, a nossa posição a partir da qual é possível fazer medições dos nexos modais. Consideremos, contudo, que as categorias modais são pelo menos passivas de serem traduzidas aos termos da semântica de Kripke. Neste caso, do pluralismo modal se segue que julgamentos modais inter-galácticos requerem a escolha de uma lógica sobre as demais.

Para apreciar a proporção da diversidade de lógicas (e do pluralismo modal), consideremos uma lógica L qualquer. Um conjunto de fórmulas quaisquer Γ tem como consequência lógica da antilógica L a fórmula α se e somente se Γ não tem α como consequência lógica de L. Em uma lógica proposicional clássica, se Γ = Ø, para qualquer p ou q atômica, vale p ou não-p e não(p e não-p) e não vale p nem vale q. Na antilógica desta lógica, se Γ = Ø, não se segue que p ou não-p e que não(p e não-p) mas se segue que p e que q. Assim, todos os mundos em que q é falso não estão na galáxia desta antilógica – mas mundos contraditórios ou sem o terceiro excluído estão nesta galáxia. Note que um mundo M contraditório em que q é falso não pertence nem à galáxia da lógica e nem da antilógica enquanto um mundo M' não-contraditório em que q é verdadeiro pertence a ambos. Ou seja, se G(X) é a galáxia de uma lógica e K é a lógica proposicional clássica que consideramos, M não está em G(K) e nem em G(K) e M não pertence à união da duas galáxias, enquanto M' está na interseção entre ambas. É interessante que toda fórmula bem formada de K, se Γ = Ø, vale ou em K ou em K. A união do que vale em K e K forma o conjunto das fórmulas bem formadas de K (e K); ou seja, forma a totalidade do que pode ser exprimido na linguagem de K. Em contraste, a união de G(K) e G(K) não forma nenhuma totalidade de mundos. É fácil ver que para qualquer L, há sempre um mundo que não está na união de G(L) e G(L).

Há muitas maneiras de lidar com o pluralismo modal. Uma delas é tentar mostrar que há uma lógica mais apropriada que as demais – o que equivaleria talvez a considerar uma geometria métrica melhor que todas as demais em todos os casos. Para a quebra da neutralidade entre as galáxias, seria preciso uma indicação de alguma parte, de que parte? E esta indicação seria considerada através de que lógica? Uma outra maneira é considerar todas as alternativas como igualmente adequadas, como uma espécie de realismo acerca de todas as galáxias que estenderia o realismo modal de David Lewis postulando uma totalidade inter-galáctica. Esta totalidade seria inconsistente – ainda que mantivesse o caráter neutro e absoluto da realidade – e teria algo em comum com o que Kit Fine chamou de über-realidade para tratar da conjunção de todas as perspectivas temporais. Fine diz que na über-realidade eu estou sentado e eu estou em pé ainda que em nenhum momento que eu esteja eu possa estar sentado e de pé - em nenhum locus standi, poderíamos dizer, eu posso estar em um evento contraditório. A contradição ocorre apenas nesta totalidade inconsistente que abarca tudo; quando alguma coisa específica tem lugar, a contradição desaparece. É como se ao invocar a totalidade, o paradoxo surgisse no horizonte.

Quando falamos de galáxias e consideramos uma metafísica da modalidade que não seja apenas intra-galáctica, estamos considerando pelo menos três totalidades – ou, se quisermos, três domínios. A primeira é a totalidade F das fórmulas bem formadas em uma lógica, a totalidade do que pode ser expresso em uma linguagem e que forma o domínio do que ser expresso na lógica – e em lógicas como a antilógica construída a partir dela. A segunda é a totalidade das lógicas que podem ser expressas em termos de galáxias; porém nem todo conjunto de mundos é uma galáxia, para cada conjunto de fórmulas bem formadas, há conjuntos de mundos que não formam galáxias. O conjunto de todas as galáxias para um conjunto de fórmulas bem formadas F, que podemos chamar de G, é um subconjunto do conjunto das partes do conjunto de todos os mundos. Aqui podemos entender que G é o conjunto das lógicas que podem ser expressas em F, mas podemos considerar também como lógicas todos os subconjuntos de mundos e, assim, há mais lógicas do que o conjunto das galáxias G. Por fim, a terceira totalidade é M, a totalidade dos mundos que dizem respeito a F, e que formam as galáxias das lógicas (e todos os conjuntos de mundos). Como vimos, L U L = F, mas a G(L) U G(L) é um subconjunto de M. Estas três totalidades tem diferentes relações entre si. É interessante notar que o conjunto dos mundos não é caracterizado pela união das galáxias de uma lógica e de sua respectiva antilógica – isto quer dizer que há mundos que não estão em nenhuma destas galáxias. O conjunto de todos os mundos (assim como o conjunto de todas as galáxias) é um conjunto que, tal como a über-realidade de Fine, é inconsistente. Veremos como podemos entender uma metafísica modal que leve em conta todas as galáxias – e possivelmente todos os mundos – sem que a inconsistência provoque um colapso.

3. Gostaria de me perguntar se a resposta de Whitehead à Poincaré pode nos instruir na lida com a diversidade de medições modais já que se considerarmos todas a geometrias métricas, por exemplo, teríamos uma totalidade também inconsistente. A resposta de Whitehead se baseia, como vimos, em exorcizar a bifurcação entre a natureza e a percepção dela. Isto significa rejeitar uma imagem da natureza que a coloca desde o começo como inacessível à nossa experiência dela – e em particular à nossa medição dela. É por isso que nela há pontos de referência a partir dos quais pode haver uma indicação natural acerca de que sistema de medida adotar. A primeira vista, pode parecer que uma vez que a crítica à birfurcação de Whitehead diz respeito a entidades naturais, ela não se aplica a lógicas, a galáxias ou a modalidades. Penso, no entanto, que há aqui também uma bifurcação entre o a medida de um lado e aquilo que é medido do outro; digamos, entre nossos mundos possíveis e impossíveis de um lado e o que é contingente ou necessário de outro. Ao considerarmos qual é a lógica (ou a galáxia) mais apropriada, nos perguntamos acerca de como é a distribuição de necessidades e contingências no mundo – e esperamos uma indicação como aquela que poderia nos dizer que a geometria riemanniana é a mais adequada. Whitehead recomendaria que consideremos o nosso locus standi, ou seja, que consideremos aquilo que queremos medir para sabermos qual é o sistema de medida apropriado. Nossas percepções e medições são acontecimentos que são contemporâneos e concomitantes a outros acontecimentos que determinam o que é contingente e o que é necessário. Lembremos que em uma ontologia de acontecimentos como a de Whitehead, estados de coisa são eles mesmos acontecimentos que estão associados a uma duração – assim, também podemos pensar em estados de coisa modais como acontecimentos modais. Como acontecimentos, eles estão sempre sendo medidos por outros acontecimentos e talvez possamos pensar nos mundos possíveis (e impossíveis) como instrumentos de medida.

Se pudermos fazer uso do esquema de resposta de Whitehead para o pluralismo modal, teremos que associar a cada questão modal que requeira uma decisão acerca de que galáxia considerar um acontecimento medidor, um locus standi. Nossos julgamentos modais de fato dependem de onde estamos e do que queremos avaliar – saber se é possível que chova requer instrumentos de medida diferentes para uma metereóloga e para uma pedestre. Pensar nas modalidades como sendo acontecimentos é pensar no que torna possível alguma coisa e no que garante que alguma coisa seja necessário. As modalidades não estão associadas a estruturas do mundo anteriores a qualquer acontecimento, mas antes emergem da fricção dos acontecimentos, inclusive dos acontecimentos de medida. Assim como a imagem de natureza que emerge do exorcismo da bifurcação de Whitehead é uma imagem de acontecimentos que se medem mutuamente e que não estão balizados em nenhum estado de coisas fixo independente da medição – independente da percepção. As percepções e medições dos acontecimentos não são itens subjetivos e nem os objetos que aparecem nessas percepções e medições são eles mesmos não-percebidos – eles são percebidos através dos acontecimentos percebidos e medidos. O abandono da bifurcação é, para Whitehead, o abandono da distinção entre o sujeito com percepções desconectadas da realidade – ou medições convencionadas – e objetos fora do alcance de qualquer percepção – de qualquer medição. A medição é relativa à posição, a duração e ao que acontece no acontecimento medidor. Para pensarmos em loci standi, talvez possamos pensar que toda modalidade é uma co-modalidade, a ser construída em termos de compossibilidades, por exemplo. Assim, alguma coisa é possível em conjunção com outras coisas possíveis e em exclusão de impossíveis. Se é assim, a compossibilidade deve utilizar como um de seus pontos de referência o acontecimento medidor – aquilo que está sendo o caso para quem mede. Ou seja, é contingente ou necessário, digamos, para quem está na posição da medição.

Podemos pensar que categorias modais são mais como indexicais que como substantivos. De fato, julgamentos do que é necessário ou contingente são relativos a um ponto de referência assim como outros acontecimentos tem lugar apenas quando eles passam por um ponto de referência. É apenas em relação a este ponto de referência que alguma coisa se passa, que alguma coisa acontece. Este ponto de referência é um acontecimento que envolve durações mais lentas, para que o acontecimento possa por ele passar. É uma espécie de efeito Doppler metafísico: é apenas em relação com alguma coisa fixa (ou que se passa mais lentamente) que se pode perceber o que passa. Algo similar ocorre com julgamentos modais, alguma coisa é necessária apenas em função de outras que são possíveis ou contingentes. Podemos então entender loci standi em termos de um acontecimento medidor que é ele mesmo necessário ou contingente; note-se que acontecimentos são sempre feitos de outros acontecimentos – Whitehead fala de uma abstração útil que é a partícula de acontecimento. Modalidades são como maior, menor, frio, quente, mais cedo ou mais tarde – ou como movimento e repouso, como mesmo e outro, como dentro e fora. Requerem um ponto de referência. É apenas em relação a estes pontos de referência que julgamentos modais podem ser feitos. E é apenas em relação a um locus standi que concebemos mundos possíveis que, como diz Kripke, não são nem como planetas distantes acessíveis por um telescópio e nem como países estrangeiros, mas como construções a partir de uma situação específica no mundo atual. Talvez entendermos modalidades como indexicais seja a melhor maneira de entender que mundos possíveis são sempre relativos ao mundo atual.

4. Tenho defendido que o mobiliário do universo é ele mesmo indexical. Chamo isso de indexicalismo. A ideia é que a realidade é composta por elementos como aqui, agora, dentro, fora, aquém, além, mesmo e outro e que os substantivos e adjetivos contém uma indexicalidade implícita sem os quais não é possível fazer uso deles. Podemos descrever partes do mundo através de uma linguagem substantiva, mas trata-se de não mais do que uma façon de parler. Como no indexicalismo há elementos como “fora”, “além” e “outro”, a totalidade de tudo o que existe contem já alguma coisa que aponta para o que não está contido nela. Logo de imediato vemos que um mobiliário indexical do universo é paradoxal. O indexicalismo postula que há um elemento de exterioridade que pode ser aplicado a tudo, um elemento de exterioridade que é parte da realidade. Toda totalidade é também paradoxalmente incompleta.

Jon Cogburn introduz a noção de metafísica paradoxal assim:

a metafísica procura oferecer uma abordagem maximamente geral de como é a realidade tal que um certo fenómeno seja o caso. Mas se o fenómeno é que a metafísica é impossível? Então a tarefa da metafísica é oferecer uma abordagem maximamente gera; da realidade tal que a metafísica seja impossível. Se o projeto soa paradoxal, é porque é.1

A ideia é que a impossibilidade da metafísica requer uma explicação metafísica. A metafísica paradoxal mostra que a metafísica é elas mesma necessária e impossível. Uma consequência possível é que a impossibilidade de uma totalidade, requer uma explicação que nos ensina algo de maximamente geral sobre a realidade. As totalidades que a metafísica postula são elas mesmas paradoxais e Cogburn entende que as únicas totalidades que a metafísica pode encontrar são as que se mostram inconsistentes. Para a metafísica paradoxal, a realidade é uma totalidade inconsistente que gera contradições quando interagimos com ela.

Não poderei desenvolver aqui o indexicalismo e sua conexão com a metafísica paradoxal. No entanto, uma concepção indexicalista das modalidades permite que as entendamos em um contexto intergaláctico como formando totalidades paradoxais. Concluo rapidamente que talvez a melhor maneira de lidarmos com o pluralismo modal (e o pluralismo lógico) seja entender que a medida modal depende de um ponto de referência e que a totalidade que baliza uma tal concepção – a metafísica modal que entende as modalidades como atreladas a galáxias e a uma pluralidade delas – é inconsistente. A metafísica (inter-galáctica) das modalidades é portanto talvez uma metafísica paradoxal. Pore'm isto não impede que façamos julgamentos modais que façam uso de muitas galáxias, apenas situa estes julgamentos em loci standi.

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