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The birth of phtonosophy out

Our script for The Birth of Phtonosophy (mine and Carol Barreiro's) is out in VIS. Here it is:

Cena 1:
Alpendre. Lå estå o primeiro anjo, gordo, com uma roupa de terreiro e com um sorriso de quem deitou-se na rede o dia todo. Ele abre os braços, se alonga com demora e, sorrindo, murmura:

ANJO: Ai que preguiça. Preguiça do amor bom. Preguiça do amor tributåvel. Preguiça do amor que admira sem arrancar pedaço. Preguiça do amor que é caridade e não dilaceração.

O anjo deita na rede vermelha, trançada, cheia de óleos esparramados e, com a voz de uma heresia gnóstica cåustica:

ANJO: Eu sempre amei essa coisa disforme, fugidia, levada, precĂĄria, indisciplinada, transformista, safada e violenta que Ă© a sabedoria.

O anjo se balança na rede enquanto levanta as pernas roçando uma na outra. Aparecem agora apenas suas pernas, seus braços do lado de fora da rede vermelha. Aparecem cinco pernas, cinco braços rodando por cima da rede como um carrossel – o anjo agora Ă© um Nataraja cheio de blasfĂȘmia e de lascĂ­via.
E sua voz Ă© mais distante, como uma sombra:

ANJO: Eu procurei a audĂĄcia e com ela tive filhos.

A primeira foi Kakia, a maldade, a que abre descendĂȘncia para a errĂąncia, para a imperfeição, para o mal-comportado – sem elas nĂŁo vale a pena gerar nada. Ela veste uma saia branca, transparente e um casaco azul ou verde, um casaco de jogging com listras brancas. Ela salta por cima da rede do anjo que segue rodando suas pernas e braços como um carrossel. Kakia nĂŁo tem fronteiras, seu corpo Ă© uma porta aberta e ela vaga como se seus dedos tocassem facilmente o cĂ©u e o piso.
Depois vem Zelos, o zelo. Zelos veste as cores da terra – como um bufĂŁo elegante, com detalhes dourados em seus ombros. Ele bate com a ponta dos dedos na cabeça de Kakia, na cabeça do Anjo Nataraja, na sua prĂłpria cabeça.
Depois entra Ftono:

FTONO: NĂŁo me basta ser eu. Tenho uma Ăąnsia de fome de carne por tudo o que Ă© alheio. Eu nĂŁo tenho Ăąmago. Tenho ciĂșmes de vocĂȘs todos, desde antes de vocĂȘs nascerem. Eu sou a vĂ­tima e o carrasco, eu sou o vampiro do meu prĂłprio coração. HĂ©autontimeroumenos!

Ftono pula corda com as outras duas, Erinnys, a fĂșria, e Epithymia, a luxĂșria. Os trĂȘs filhos mais jovens da audĂĄcia. De longe aparece Pina Bausch correndo desde fora do enquadramento, corre com determinação e abraça Ftono, Erinnys e Epithymia de uma sĂł vez. A corda que eles pulavam se entrelaça entre eles, passando pelas pernas de Epithymia, pela dorso de Ftono, pelas ancas de Erinnys e pelo quadril de Pina. Pina repete:

PINA BAUSCH: Tudo pode ser considerado pelo avesso, tudo pode ser considerado do avesso, tudo pode ser considerado do avesso, tudo pode ser considerado do avesso.

Ftono tem ciĂșmes do modo como Epithymia roça seus dedos em Pina. O anjo voa. Erinnys se retira correndo, Epythymia e Pina se deitam na rede vazia. Ftono fica balançando a rede. O pensador de Rodin surge da casa e se senta na mesa do alpendre. Ele nĂŁo se move, apenas pensa:

RODIN: O ridículo nos engole como crianças.

Cena 2:

O mesmo alpendre. Um pequeno animal se contorce para sair de um casulo. Tenta se soltar de todas os modos, não consegue. Ao lado, duas sapatilhas quase o pisam. Estão prestes a pisar o casulo. A cùmera sobe até o bailarino que se desajeita sobre o pequeno animal. Um enorme Novarina. Novarina grita:

NOVARINA: Sair do corpo. Sair do corpo. É isso que nos anima todo o tempo, nos anima pelo sexo, pela sabedoria, pelo pensamento, pelo esporte. Nada mais que sair do corpo.

Por trĂĄs de Novarina chega Hubert, que o empurra. Novarina cai no chĂŁo. Hubert o chuta, e depois o acaricia.

HUBERT: Eu te invejo, eu te invejo, eu te invejo. Onde estĂĄ meu primo?

Hubert olha para frente e vĂȘ Lacan, seu primo, que da pulos com seus dois pĂ©s.

LACAN: Todo desejo Ă© o desejo do outro. Do outro, do outro.

Lacan deita-se ao lado de Novarina. Hubert senta-se e logo aparece na cena a Bailarina Descalça, ela não dança, apenas pisa levemente nas bexigas dos dois homens deitados:

BAILARINA DESCALÇA: Todo desejo acometido da violĂȘncia que necessariamente o gera transcreve uma realidade de vida uterina. O que se inscreve e o que escrevemos participam de uma mĂștua articulação avessada que Ă© o cambio externo-interno. Mas, ao menos nessa vida, esta relação se compromete na fisiologia extremada das vias pĂșblicas da intimidade em forma de publicitĂĄrias apariçÔes do eu; o corpo confinado ao seu valor midiĂĄtico de moeda valorativa da imagem que representa uma estratĂ©gia de vida; o simulacro elementar do teatro cotidiano; as asperezas e os detalhes por onde se passam as rachaduras de bloqueios somatizados em sua fingida aparição de felicidade. Mas tambĂ©m a estranheza sugerida em seus momentos de extremado lugar em que ‘‘nĂŁo se aguenta mais’’, a tensĂŁo necessĂĄria da vida em si, a tensĂŁo do fora cultivada em natureza Ășnica e singular?

Cena 3:

No quarto de uma maternidade. Os cinco bebĂȘs acabaram de ser paridos. A audĂĄcia dorme. Cada bebĂȘ estĂĄ em seu berço. Ao lado de cada berço um criado-mudo. Em cada criado-mudo uma imagem, pequena, como em um oratĂłrio. Sempre Ă© a imagem de Ftono, cercado de ftonisas de todas as cores que o sobrevoam – todas invejosas, todas videntes, todas alvoroçadas. A Enfermeira Luminosa RazĂŁo chega com panos quentes sobre os cinco bebĂȘs. Ela levanta os joelhos a cada passo lento que dĂĄ entre as camas da maternidade. Ela se veste apenas com muitos pequenos retratos de homens, tamanho ¾ colados na pele. No pescoço veste retratos de Leibniz e Spinoza quando jovens, o primeiro audacioso, o segundo furioso. Os dois zelosos. Pelo dorso imagens lutadores de SumĂŽ, mas no bico dos seios duas imagens de Jean-Luc Nancy. Pelas ancas, lombo e torso, retratos de Artaud e de ProtĂĄgoras ambos sorrindo. HĂĄ abismos na matĂ©ria:

ENFERMEIRA LUMINOSA RAZÃO: A consciĂȘncia do corpo, a consciĂȘncia de si Ă© muitas vezes estipulada somente pela realidade cognoscĂ­vel do eu. O sujeito elaborado a partir de sua estrutura reflexiva sabe de si a partir da casualidade moral de seus meios, e se depara com a verdade a fim de repensĂĄ-la, tracionĂĄ-la, invadia-la , radicaliza-la ou muitas vezes apenas aceitĂĄ-la. Nessa expedição de si, o contorno da consciĂȘncia bruta baseia-se na razĂŁo. Mas uma razĂŁo dançante traça uma nova consciĂȘncia, nasce de um corpo inconsciente do gesto mĂłvel, da violĂȘncia mesma que o faz sair do lugar, jogando-se na realidade do aberto. Essa inconsciĂȘncia, nebulosa por tradição, vinda diretamente da turbilhosa Nix, reclamada na psicologia supostamente estruturada – nada tem de entrave/treva quando esclarecida na superfĂ­cie de um corpo que baila. A superfĂ­cie da inconsciĂȘncia suspende seu teor intangĂ­vel e inaugura uma nova consciĂȘncia do corpo. Por isso inveja-se, inverte-se, dobra-se.

Ela cai aos pés de uma das pequenas imagens de Ftono, sobre o criado-mudo ao lado do berço de Zelos:

ENFERMEIRA LUMINOSA RAZÃO: Ftonos, abençoa minhas palavras. Eis o charme de invejar, eis a consciĂȘncia de si, querer engolir do outro que te salta em afetos nada discretos na sua ininterrupção de malemolĂȘncia, um novo poder de inconsciĂȘncia. O desengonço do filĂłsofo Ă© pois, seu corpo de baile, ele tambĂ©m quer ser invejado numa razĂŁo que possa dançar.


Cena 4:
Um descampado cheio de pedaços de mĂĄscaras no chĂŁo – olhos de vidro, bigodes postiços, perucas. Ftono estĂĄ coberto de barro e se arrasta pelo chĂŁo.
FTONO: A inveja Ă© centrĂ­fuga. Ela nasce do estranhamento. Ela nasce de um vetor centrĂ­fugo que me arrasta em direção a outro. A amizade e o amor produzem um conforto, um acalento em que a outra permite, endossa, reforça e legitima o que eu sou. A inveja arranca raĂ­zes. Ela nĂŁo Ă© um assunto de mesmos, ela Ă© uma destituição dos mesmos jĂĄ que Ă© um asco de si. A inveja Ă© uma fĂșria de mim contra mim, uma mobilização das minhas vĂ­sceras contra suas hospedeiras. Um mal-estar de si. A inveja Ă© o avesso da auto-defesa.
Ftono agora encontra Dioniso, entregue a um bacanal cĂłsmico de dedos e lĂ­nguas e pelos e gotas de vinho, encontra Hera, soberba, altiva, suficiente, encontra Zeus, rodeado de poderes, de cetros, de varinhas de condĂŁo, encontra o Anjo Nataraja, com sua preguiça herĂ©tica. Diante de todos eles, Ftono se arrasta de compulsĂŁo, quer arrancar de cada um uma seiva, ergue os braços para tentar trazer para si os espasmos das entidades. Depois de se arrastar em cĂ­rculos em torno destes quatro polos, Ftono sente a presença no centro do retĂąngulo de Sophia e se arrasta atĂ© ela. Ftono estende suas mĂŁos em direção ao dorso de Sophia, ela plĂĄcida na cara, lĂąnguida no corpo. Sophia logo chama seu amigo, o FilĂłsofo que vem com um sorriso como o da mĂĄscara de Guy Fawkes, contente mas insaciado. O filĂłsofo comede – mas dança com suas mĂŁos e dĂĄ o braço a Sophia e a convida para caminhar. O filĂłsofo fala, mas Ă© como se fosse em uma gravação:
FILÓSOFO: Inveja. CiĂșmes. Porque o sentido invejĂĄvel Ă© sempre fora, o objeto da inveja jĂĄ nĂŁo Ă© pois um objeto, Ă© objetificar-se. A dança celebra uma morte do sujeito, envaginado em plena consumação do que explora/explode em vida. O Fora, o campo aberto que tensiona e envagina-se. JĂĄ a sabedoria Ă© um contorcer-se de dobras internas, Ă© uma dança consolidada – sĂŁo as marcas que ficam depois que os corpos passaram, um emaranhado de vestĂ­gios, um chĂŁo.
Sophia vai sendo conduzida pelo filĂłsofo enquanto Ftono se arrasta diante dela. AtĂ© que ela para e olha para cima – num gesto largo, larga-se ao chĂŁo onde encontra Exu, todo de vermelho, da cor da rede do anjo, e com o corpo plĂĄcido, a cara lĂąnguida:
EXU: Tua casa nĂŁo Ă© boa, vem comigo que eu vou te mostrar algo melhor.
De sĂșbito, desaparece Exu e depois Sophia, e depois tambĂ©m Ftonos. Do chĂŁo emerge uma coisa diferente, um ftonĂłsofo vestido com uma camisa branca apertada e uma calça preta larga. Veste tambĂ©m uns sapatos vermelhos e traz anĂ©is em todos os dedos, cada um com uma pedra preta. O ftonĂłsofo se levanta do chĂŁo e faz lentamente a pose de quem vai tirar uma foto de passaporte. Uma voz em off, com a entonação de quem apresenta um candidato aos seus eleitores:
VOZ EM OFF: A ftonosofia contrasta com a sabedoria auto-complacente e contente de si que tem um diagnĂłstico pronto - ou uma descrição cabĂ­vel - de tudo o mais que lhe Ă© apresentado. Contrasta com a sabedoria que tem nomes para os bois - a ftonosofia estranha os bois, eles sĂŁo monstros, sĂŁo sĂșbitos touros de Pamplona no dia de festival de San FermĂ­n. A ftonosofia, como a filosofia, nĂŁo Ă© identidade com uma Sophia, ela tambĂ©m introduz um outro, mas um outro que nĂŁo procura colocar a Sophia a seu serviço mas antes habita na pulsĂŁo de dissipação.

InterlĂșdio GeofilosĂłfico:
Imagens subterrùneas. Escavadores retiram das profundezas abaixo do chão fragmentos de sapatilhas de ponta. Roedores acorrem até os fragmentos. Mais e mais sapatilhas vão emergindo do chão. Todas elas de ponta e em cada ponta uma imagem de Sophia, as vezes vestida de branco, as vezes de vermelho, mas sempre com o rosto plåcido e o corpo lùnguido.
Uma bailarina se agacha e pega uma sapatilha. Veste. Se levanta em um descampado onde escuta a preleção de Maguy Marin. Maguy veste uma roupa branca suja de terra como se tivesse emergido de um esgoto. Ela continua fazendo os gestos de quem saiu de um casulo, como o pequeno animal da cena 2. Maguy saiu das entranhas da terra e veio descalça:

MAGUY MARIN: Dizem que dançar Ă© atiçar as dobras. Meu corpo em um devir-tripas. Retorço. Contorço. Dançar Ă© desamarrar. Meu corpo Ă© uma erosĂŁo. Erodo porque eu sou chĂŁo antes de ser terra. Minha pele de Exu Ă© o limiar entre o que me afeta e o que eu afeto. Dançar, como arrotar. É provocar as rachaduras. Balançar as articulaçÔes. É que por toda parte existem tectĂŽnicas. VulcĂ”es. Terremotos prestes a eclodir. Todo corpo tem uma pele que contorna. Dançar Ă© inventar dobras.

Dançar Ă© provocar desengonçamento. A elegĂąncia de um novo vulcanismo, nĂŁo do vulcĂŁo disciplinado de todos os dias – o que abre a carteira, sacode os ombros, caminha sem cair, deita sem pular, trepa sem soluçar – o vulcĂŁo que jĂĄ virou chĂŁo, mas o vulcĂŁo que perdeu o fio de meada entre a lei da natureza e a superfĂ­cie da terra. Dançar Ă© andar pelo chĂŁo como se ele fosse um repositĂłrio caquĂ©tico de desmandos pouco esclarecidos. Por isso Ă© tectĂŽnico. Maguy solta pipocos por todos os lados, irrompe em barulhos incompreensĂ­veis:

MAGUY MARIN: C’est la pensĂ©e qui zone dedans. En foutant toute envie de baise. De vraie foutrĂ©e. Il sait le troupeau mort la vraie foutrĂ©e c’est en finir. Finir pour une bonne fois la baise. Et pas de bonne action. De bon coup pensĂ© dans biquette. Ou dans le bouc. Le bouc prendra biquette. Il prend sa corne. Le bouc pense Ă  biquette. Mais le bouc est cornĂ©. Cornard de lui. Cornard de sa petite cornĂ©e. Pas encore nĂ©. Petite trouĂ©e de lui-mĂȘme. Petite foutrĂ©e. FoulĂ©e. Petite foule faite. Petit troupeau Ă  foutre mais sans se fouler. Que la biquette lui a collĂ©. Que la biquette collera. Et le troupeau avec. Troupeau de biques et de boucs moutonnant Ă  l’envie. Troupeau de morts encollĂ©s Ă  l’idĂ©e de baise. Mais on baise pas l’envie. On fait que niquer. On nique l’envie qui s’offre Ă  nous. La nique offerte. Ristourne. L’envie tristoune de nique sur un plateau. Les plateaux tournent. Et les troupeaux avec. Tous les troupeaux finiront par tourner. Et les petits plateaux petites enjambĂ©es au-dessus des phrases.

É que a Terra dança. Engole a semente, rasga, soluça, eclode, engole, balança o glote, fica peristĂĄltica, vomita, faz pliĂȘ. Este desengonçamento todo nĂŁo Ă© outra coisa senĂŁo o ardil das intrusĂ”es. Ressurgido do Etna, aparece EmpĂ©docles, tambĂ©m ele imundo de lama, de lava, do calor da terra-vagalume. Ele se levanta e rapidamente segura a cabeça de Maguy, com as duas mĂŁos prĂłximas as suas orelhas:

EMPÉDOCLES: Nossos corpos nĂŁo cabem na armadura humana. Nenhum corpo, porque carrega a impostura humana, deixa de ser corpo. E corpo encorpa. Corpo Ă© um endereço, uma encruzilhada. Do todo, nada Ă© vazio. Do corpo, nada Ă© imune. Nada Ă© acabado, nada Ă© uma coisa sĂł. Todo corpo se multiplica, perpassam-lhe as lacraias, os barulhos da terra, as larvas, as sedimentaçÔes das rochas. O desengonçamento Ă© cĂłsmico, estĂĄ nas pequenas rachaduras que dĂŁo forma aos movimentos, e nas convulsĂ”es da Terra, nas camadas sobrepostas em garranchos que formam as superfĂ­cies acumuladas do planeta.

A dança Ă© larval. É intrusĂŁo – Ă© caixa de ressonĂąncia. EmpĂ©docles começa a tirar do chĂŁo um pouco de terra e vai aparecendo uma placa vermelha onde se inscreve um trecho de Docemente, de Laura VirgĂ­nia:

Acelera seu coração,
abre fendas em larga extensĂŁo
buscando alguma compensação
e vive de flexível segurança,
a Terra se equilibra
fazendo frases de dança.

A Terra nĂŁo dança apenas as intrusĂ”es do momento, mas as ressonĂąncias do seu passado, seu afundamento, aquilo que sedimentou seu chĂŁo. Inveja. O chĂŁo suporta o que inveja, o que deglute lentamente, o que se escorre para ele. É o chĂŁo que tira o chĂŁo do que estĂĄ sobre ele.
Deitado no chão, Empédocles desaparece em uma cova escavada por Maguy. De dentro da cova aparece Ben Woodard que logo também desaba no chão. Enquanto os dois desaparecem, Ben se levanta, tira a roupa do vulcão e, sob ela, aparece com uma camisa social mas sem calças. Começa a vestir camisetas coloridas sobre sua camisa social:

BEN WOODARD: O vulcĂąnico Ă© o pivĂŽ entre inferno/terra e transcendĂȘncia/imanĂȘncia. O Hades se faz sentir nos vermes, nos roedores, na fauna geolĂłgica. O inferno estĂĄ repleto de espaços celestiais. Hölderlin comparou EmpĂ©docles pulando no vulcĂŁo Ă  Ícaro. A vida mesma estĂĄ sujeita ao fluxo da natureza jĂĄ que a terra Ă© que dança, a terra Ă© que pensa.

Cena 5:

Ftono em um banheiro de bar. HĂĄ um pequeno espelho arranhado acima de uma pia. Ftono veste um short azul e um medalhĂŁo com a imagem de Sophia no peito. Com um pente azul, ele penteia o cabelo:

FTONO: Meu desejo Ă© incorporação, nĂŁo consegue ser mimese, Ă© pacto. Desse pacto invejĂĄvel Sophia nĂŁo quer mais sentar-se imĂłvel no linguajar gramatical dos vastos conceitos, a fĂșria do movimento Ă© a dobra que deseja adentrar, a estruturação desse corpo em ação Ă© prĂłpria da desobstrução do verbo. Eu sĂł aceito os pactos. Escavar os emaranhados da sabedoria nĂŁo com a gentileza da amizade, mas antes com uma sede nunca sedentĂĄria. Roer a sabedoria. Com Ăąnsia. A fĂșria Ă© minha irmĂŁ. Ela encrava no chĂŁo sĂĄbio comigo. Meu amor por Sophia nĂŁo a deixa em paz. Os ftonĂłsofos sĂŁo intranquilos, se agitam como quem ebole, fazem unguento, desconfiam. Com os corpos tomados dos meus sucos, eles nĂŁo ficam imĂłveis, bailam como quem treme, como quem nĂŁo consegue parar de vibrar.

Ftono sai do banheiro e encontra ao seu redor, no bar, com sete ftonisas. Todas vestidas de tĂșnicas verdes e com trĂȘs tetas a mostra. SĂŁo leitosas, abastecidas, sĂŁo Artemis e sĂŁo Cassandras. SĂŁo os sete alçapĂ”es dos ciĂșmes. A primeira Ă© encurvada e se move apenas para trĂĄs, a cabeça baixa, os olhos semifechados, o pescoço intimidado. É a Vergonha de Si. A segunda Ă© ainda mais encurvada, mas olha para o alto – Ă© a Orgulho de Si. Por que nĂŁo mereço mais? TambĂ©m quero aquilo, tambĂ©m eu. O pensamento inveja a dança. CiĂșmes do que pode um corpo que dança. Este Ă© o componente da relação entre as duas onde o pensamento nĂŁo se defende da dança, ao contrĂĄrio, ela se dissolve. A inveja Ă© uma vergonha-de-si. O pensamento quer ser outro, tambĂ©m quer se desvencilhar de si. E Ă© um orgulho-de-si: tambĂ©m quer ser aquele outro. O zelo pelo que Ă© dos outros, pelo que os outros sĂŁo. As ftonisas se sentam no bar na mesa dos ftonĂłsofos, todos vestidos com uma camisa branca apertada e uma larga calça preta. Um deles diz:
FTONÓSOFO: Pensar Ă© imundo, Ă© vergonhoso, Ă© do submundo, do subterrĂąneo, dos estratos lamacentos. É como os animais que se contorcem para chegar a superfĂ­cie, para chegar ao chĂŁo – que invejam a sabedoria que abre os caminhos. Mas a lava nĂŁo tem destino certo, ela expira, inspira, se adentra ainda mais nos fossos do centro da terra. O pensamento trisca o inferno, Ă© desconforto, Ă© metĂĄbole constante – metabolismo.
Jå os corpos são todos disformes. Cada um a sua maneira. Corpos não são incorporaçÔes. O corpo que dança é um corpo sem corpo. Chega JerÎme Bell no bar e se aproxima da mesa das ftonisas e ftonósofos. Ele aparece de fraque e com um chapéu de palha com os fiapos de palha soltos em sua fronte. JerÎme fica em pé, parado, apenas fala, como se dançar fosse jå desnecessårio:
JERÔME BELL: Por que as pessoas vĂŁo ver tantas vezes o Lago dos Cisnes? Ele dizia, Ă© porque os bailarinos tem uma maneira prĂłpria de errar. O momento do desengonçamento Ă© o momento da graça. Porque se nĂŁo houver o momento da graça – que intervenham os deuses que criam outros precipĂ­cios – Ă© melhor ficar contemplando os relĂłgios de parede, ponteiros que balançam por anos no mesmo ritmo. Ou ouvir metrĂŽnomos. Mas os epicuristas nunca acharam os relojoeiros perfeitos.
As ftonisas tem corpo de ftonisas. Os filósofos tem corpo de filósofos. Os bailarinos não. Os masoquistas tem corpos da masoquistas, as catadoras de coco tem corpo de catadoras de corpo, as putas tem corpo de putas, os ministros tem corpo de ministros, os pedintes tem corpo de pedintes e os empregados de telecentros tem corpos de empregados de telecentros. Os quadrados tem o corpo de quadrado. O círculo tem o corpo de círculo. Os bailarinos estão em função das dobras invisíveis, não podem se dar ao luxo de ter um corpo... de bailarinos.
Cena 6:
CemitĂ©rio. As ftonisas avançam em cortejo fĂșnebre para que o enterro do filĂłsofo siga em triunfante passada. HipĂĄtia de Alexandria chora ao som de um bolero, lĂĄ estĂĄ o seu amor, assim como a sua cova. HipĂĄtia veste uma roupa de tule em que estĂŁo bordadas imagens de conceitos gestados pelas mulheres de Atenas. A Enfermeira Luminosa RazĂŁo ressurge, carrega sangue em todo se corpo, tenta desesperadamente uma transfusĂŁo de suas veias para o caixĂŁo, vai aos poucos dissecando. Sophia perde um amigo, Baco reencontra o apogeu da desordem e Ftono flerta com Eros. O carnaval vira luxo de morte, baila em esquecimento. Sophia declara:

SOPHIA: Aqui jaz o cenĂĄrio do alvoroço verbo. A filo de tua sofia mostra em fala o quĂŁo importante foram os assuntos que falaram. Perderam-se meios, lacunas de silĂȘncios feitos, e trataram de esquecer palavras equivocadas. Riu de si pouquĂ­ssimas vezes. Escondeu que gagueja. Tratou de nĂŁo se desarticular em gestos, movimentos expressos necessitando o carregar de uma equação de praga. PragmĂĄtica. De uma circunstancia no afim de, efeito de tuas causas. Tu filĂłsofo invejaste o que te mata, o que te dança. Queria outro, entĂŁo aqui te vai, certo que renascerĂĄs da sombra nesse eterno encontro com a terra, e das sombras talvez nĂŁo sairĂĄs, desengonçando.

A noite entĂŁo se adentra. Nix surge gesticulando, cega, tateando os corpos ali presentes. Diz:

NIX: NĂŁo hĂĄ mais caverna de ilusĂŁo, apenas mergulho de luminosidade nesse consciĂȘncia em eternidade obscura, para a verdade nĂŁo hĂĄ mais claridade. PlatĂŁo Ă© um travesti sendo queimado na fogueira.

Todos aplaudem. PlatĂŁo aparece entĂŁo com seu corpo bombado e com uma pequena calcinha onde se lĂȘ: “O medo do ridĂ­culo Ă© ridĂ­culo ao pensamento”. Logo aparece seu maquiador, que freneticamente passa pĂłs, loçÔes e poçÔes pela cara do filĂłsofo. PlatĂŁo nĂŁo consegue se mexer com os movimentos do maquiador. Por fim, ele prende o maquiador entre seus dedos e lhe sussurra algo ao ouvido. O maquiador entĂŁo conta a todos:

MAQUIADOR DE PLATÃO: PlatĂŁo me pede para informar a todos que tambĂ©m ele se morde de inveja da sabedoria. TĂŁo galante, tĂŁo altiva, tĂŁo cheia de pretensĂ”es Ă  imutabilidade. Mas desconfia que seu ciĂșme o deixou por demais humilhado, rastejante, serviçal. Ele agora quer parar de imitĂĄ-la (mimesis) e passar a participar (metexis) ainda mais dela. Ele quer se travestir, se precarizar, deixar de lado qualquer defesa. NĂŁo era a cortesia para com Sophia que o movia, ele me disse, era a inveja. Mas agora, ele quer tambĂ©m se tornar um ftonĂłsofo.

PlatĂŁo pede ao seu ajudante de As Ftonisas fazem sua Ășltima dança em agradecimento Ă  noite ao som de tambores enfurecidos. A Enfermeira Luminosa RazĂŁo seca, e o caixĂŁo Ă© levado para a terra com seu corpo exposto deitado e enrijecido por cima. Sophia conclui o ritual entregando para Ftono um pedaço de coruja que acabarĂĄ de sacrificar, todos na mesa sentam e devoram o pĂĄssaro com taças cheias de vinho. Brinda:

SOPHIA: Assim como a entranhada terra devolve para a superfĂ­cie o rasgo do abalo, que se erga um novo homem, um homem que inveje um deus, um “homem que sĂł acredite em um deus que saiba dançar”. Eros e Ftono dançam. NinguĂ©m dança se ficar com as mĂŁos dadas o tempo todo.

Cena 7:

Floresta. Numa clareira Isadora Duncan dança samba. Acompanhado de um pandeiro, a voz de Novarina canta um samba sobre a sabedoria: “Sabedoria Ă© hospitalidade, morrer por nada depois de viver de tudo”, depois emenda um Noel: “pra que rimar amor e dor?”. Aparecem umas HerĂĄclitas caquĂ©ticas que caminham com vestidos brancos, aos poucos seus vestidos vĂŁo se encharcando de sangue, menstruam na menopausa. Em coro cantam uma ladainha:

CORO DE HERÁCLITAS: Eu nunca menstruo o mesmo sangue duas vezes, eu nunca menstruo o mesmo sangue, duas vezes eu nunca menstruo o mesmo sangue duas vezes.

Do rastro de sangue das HerĂĄclitas surge Bataille vestido de carteiro arrastando uma grande encomenda, deposita-a no centro da clareira e proclama:

BATAILLE: Ei-lo, capturado, esse homem foi encontrado e entrego-o aqui perante esse aviso: isso nĂŁo Ă© mais um filĂłsofo, mas talvez um santo, talvez um louco, mas que pensa da mesma maneira como uma menina tira a roupa. Na extremidade de seu movimento o pensamento Ă© o impudor, a prĂłpria obscenidade.

As HerĂĄclitas cheiram o pacote como cadelas farejando por mais sangue. Rasgam com os dentes, avarentas de fome, a tal encomenda. Uma delas olha para Bataille e ainda estĂĄ escutando o que ele disse: o pensamento Ă© impudor, a prĂłpria obscenidade. Impudor, obscenidade... Ela olha para o chĂŁo e murmura:

UMA HERÁCLITA: SerĂĄ que o pensamento, mirando o saber e como quem escuta o ritmos de uma passacaglia que estĂĄ tentando dançar, Ă© movido por Epythymia? SerĂĄ a luxĂșria que move o pensamento em direção a querer armazenar alguma coisa, embolsar alguma coisa, preservĂĄ-la da corrosĂŁo dos seus prĂłprios sucos? Ou serĂĄ a cobiça mesma que faz pensar? A cobiça por um saber que talvez seja impossĂ­vel – se nĂŁo houver nada alĂ©m de acidentes no mundo, talvez nada possa ser entendido, nem compreendido, nem sabido. Mas o pensamento cobiça. LuxĂșria. Ou talvez seja mesmo Ftono – talvez seja a inveja que move as manivelas do pensamento. Eu sinto nas minhas vĂ­sceras que o pensamento Ă© lama, Ă© lodo, Ă© de se deitar ao chĂŁo...

O ftonósofo surge invejoso e invejado, ridiculariza a si mesmo numa dança desengonçada. Saber. Saber de si. Invejar a parte de si que sabe de si. Querer imitå-la. Querer tornar-se ela. Arrastando-se no chão, ele aperta o peito, o dorso, o lombo como quem quer se segurar, se capturar a si mesmo:

FTONÓSOFO: Finjo, atravĂ©s do Ăąmago de mim, que sou conhecido, que posso me conhecer, que aquilo que eu sei sobre mim ainda nĂŁo me escapou. Invento umas mentiras sinceras para sustentar meu apego ao auto-conhecimento. Tenho que saber, tenho que saber de mim. Pelo menos a minha pequena sabedoria de mim, nĂŁo a arranquem de mim!

Marcel Duchamp entra na cena vestido de médico legista e proclama com um com ar categórico:

MARCEL DUCHAMP: Isto nĂŁo Ă© um filĂłsofo!

As Heråclitas se mijam de tanto rir, caquéticas e desorientadas besuntam de sangue o ftonósofo, este abruptamente gargalha e proclama:

FTONÓSOFO: Invejo-te Baco. Invejei a embriaguez como invejei a fama e atĂ© a misĂ©ria. A embriaguez me seduz: o pensamento que nĂŁo responde, apenas declara! E assim comecei a invejar Sophia. J’ai envy de toi! Isso me faz pensar, me faz dançar. A sabedoria da dança Ă© razĂŁo do desejo.

Festeja novamente com uma dança desengonçada. As Heraclitas caquéticas bailam como um corpo de baile da pior natureza, coreografadas. As ftonisas entram em cena como que cegas, esbarram em todos os que dançam e caem no chão.

Cena 8:

Uma enorme lĂąmpada elĂ©trica em uma sala fechada. Ao lado um banco onde se sentam-se trĂȘs sambistas com um pandeiro na mĂŁo. NĂŁo falam e nem tocam e nem cantam e nem citam ninguĂ©m. SilĂȘncio. VocĂȘ inveja o silĂȘncio?

HĂĄ algo de mariposa nestas danças e nestes pensamentos das gentes. SerĂŁo elas movidas por um desejo de luz? Uma amizade – um ciĂșme? Entra um ballecketterino vestido com uma mĂĄscara de tule. É a razĂŁo que morre de amores, que se morde de ciĂșmes, que saliva de inveja, que se corrĂłi luxĂșria. Mas ela tambĂ©m Ă© parente da audĂĄcia, das filhas do anjo e de todos os comboios de corda, das cordas de plĂĄstico e das cordas de elĂĄstico. O ballecketterino Ă© do tipo que nĂŁo olha quando Sophia passa:

BALLECKETTERINO: NĂŁo quero culpar a razĂŁo por nada, nem por inveja, nem por luxĂșria. E, no entanto, ela vai ter que se comportar por que eu nĂŁo vou me comportar por ela. Os filĂłsofos invejam o corpo des-pensado, dançar Ă© atiçar – atiça a luxĂșria, atiça a inveja, atiça a cobiça. Os pecados capitais – todos eles tĂȘm parte com a audĂĄcia – as vezes se misturam em um sĂł gesto, em uma sĂł torção. O ftonĂłsofo nĂŁo esconde seus ciĂșmes, se arrasta com eles. É que Sophia nĂŁo pensa, ela jĂĄ estĂĄ toda pensada. É como um corpo pronto. Eu prefiro a coreografia dos que roem as unhas.

Ao lado do banco com os sambistas, aparece Entre Platão de tutu e sapatilha de ponta ao som Adolphe Adam, segundo ato de Giselle. Ele fala sem fÎlego, como se não tivesse parado de dançar por muitos séculos:

PLATÃO: Meu amor foi ameaçado, quando descobri que a sabedoria se disfarçou de camponesa para conquistar uma bailarina, padeci. Ela que sempre foi duquesa, teve a audåcia de ir no mais baixo submundo dilacerado da mentira, retraiu-se para esconder-se na caverna do amor. Por isso, hoje, sou Giselle, hoje a sabedoria me ama, mas também me mata. A razão é travestir-se.

Isadora Duncan abençoa PlatĂŁo vestida de baiana. Ele faz o solo de Giselle ressuscitando de sua cova. Eros trabalha na bilheteria pegando os ingressos do pĂșblico. Ao invĂ©s de amor, o ingresso Ă© inveja:

EROS: Inveje esse homem, inveje seu amor mortal que teve pela sabedoria e do qual nunca pode esconder. Sua verdade agora Ă© fato: entre o amor e a amizade surgiste fervoroso no meio termo a que tudo sucumbe, a inveja de outro. JĂĄ ouvi mesmo dizer que o amor se mede pelas unhas de FtĂłno. Falam que eu flecho. NĂłs flechamos, os erĂłsofos, os ftonĂłsofos, e eu nunca vi Sophia.

A lùmpada se apaga. Barulhos de mariposas. O pensamento não é ridículo senão pelo corpo. No lugar onde havia a lùmpada, acende Athikte. Ela pula alto e cai sobre um dos seus pés:

ATHIKTE: Asilo, asilo, asilo, o meu asilo. Eu vivo em ti, movimento, e fora de todas as coisas.

Ftono aparece rastejando aos pĂ©s de Athikte. Lambe os beiços. Inveja o asilo. O mais profundo Ă© a pele. Agora jĂĄ nĂŁo hĂĄ mais leveza inesgotĂĄvel no palco. Apenas o ranço da inveja, do ciĂșme, e Ftono, que, outra vez, fala:

FTONO: Querer ter, querer ser, querer acompanhar, querer devorar. Discursos de amor, discursos de gula, discursos de antropofagia, discursos de desejo. Minha mãe Audácia não fazia as diferenças entre tudo isso. Ela nos paria, um atrás do outro. Paria as serpentes e paria os venenos. Meus venenos querem sair pelas minhas culatras. Eu vivo em função das minhas culatras. É simples assim ser filho da audácia...

Os trĂȘs sambistas agora se revelam como sendo SĂłcrates, ErixĂ­maco e Guillermo Gomez Peña. SĂłcrates Ă© o primeiro a falar, mas os outros dois lhe retrucam prontamente e quase sem interrupção:

SÓCRATES (apontando para Athikte): Esse serzinho dĂĄ o que pensar... ReĂșne em si, assume uma majestade que estava confusa em todos nĂłs, e que habitava imperceptivelmente os atores deste festim... Um simples andar, e aqui estĂĄ a divindade; e nĂłs, quase deuses! Parece enumerar e contar moedas de ouro puro, aquilo que gastamos distraidamente...
ERIXÍMACO (apontando para Ftono): Esse serzinho dĂĄ o que pensar... ReĂșne em si, assume uma majestade que estava confusa em todos nĂłs, e que habitava imperceptivelmente os atores deste festim... Um simples andar, e aqui estĂĄ a divindade; e nĂłs, quase deuses! Parece enumerar e contar moedas de ouro puro, aquilo que gastamos distraidamente...
GUILLERMO GOMEZ PEÑA: Me sinto como uma puta que dirige uma astronave cheia de monjas, ou vice-versa. Uma vez vi uma bailarina mijando em um mictório de banheiro masculino. Era tanto tule... Ela dançava, eu invejava. Nunca acreditei nas fronteiras ríspidas, nem mesmo quando vivi em Tihuana. Eu sempre posso errar de endereço.

As pitonisas entram juntamente com as ftonisas como um coro de bacantes, bebadas se dirigem para o centro do palco onde Steve Paxton colide com uma pedra sem parar:

STEVE PAXTON: aqui agora só hå costelas e fluxos. Onde move a espinha move piton, o destino, e nada hå além desse choque invasivo que me permite perpetuar o eterno em agora. Que seja a dança o encontro do acontecimento!

Aparece Pedro Costa, vestido de Solange e estando aberta. Ouve-se os acordes iniciais de “Eu vou fuder o cu do Freud”. Ele se enrosca com Steve Paxton e declara subitamente:

PEDRO COSTA: A errancia Ă© a fonte dessa criação passando pelos membros de uma aparição, o bailarino Ă© o ftĂłnosofo, ele abre as temporadas de desapropriação da sabedoria, enrola-se com escama de pele desmembrada e pode falar enquanto morde, doer enquanto sopra e respirar enquanto pensa. O silĂȘncio agora Ă© o seu verbo e a dança sua audĂĄcia. É que Sophia Ă© turbulenta e bagaceira – invejĂĄ-la Ă© contorce-la. E ela dĂĄ as boas vindas aos invejosos: venham, mordam minhas sapatilhas.

Pedro sai correndo com Steve. Aparece o anjo que puxa as ftonisas e as pitonisas. Eles correm em cĂ­rculos, colhem flores e levantam o banco onde estĂŁo os trĂȘs sambistas. Começam a retirar o banco de cena. Os sambistas começam a bater no pandeiro como se estivessem sendo assolados por alguma fĂșria que nĂŁo mais compreendessem. O barulho das mariposas aumenta.

Tela Preta RĂĄpida.









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